sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Annus Invictus

— Acorda! — Falei pra mim mesmo, após um estrépito momento de despertar. Devia ter tido um pesadelo. De todo jeito não deu muito certo. Tentei conversar comigo mesmo, mas não deu em nada. Apenas tragava aquele ar poluído e devolvia-o ainda mais abatido a cada baforada.
Lutei contra o sono e o cansaço, mas os deixei ganhar-me.
Não sei por quanto tempo mais eu padeci naquele leito aconchegante e frio. Mas sei que depois de muito tempo fui acordado por uma voz feminina. A voz dizia que era para eu levantar para comer. Pelo menos eram duas boas notícias pra quem estavam acordando: que eu estava na casa de uma mulher e que eu era para eu me vestir para comer.
Levantei-me com dificuldade, fui até o banheiro, tomei um banho, enxuguei-me, pus uma roupa e fui comer. Guiei-me pelo som dos talheres, tilintando nervosamente, pareciam talheres esfomeados de pessoas afobadas, também senti os cheiros das comidas, parecia ter bacalhau, batatas, e coisas do gênero que leva muito azeite. Aquelas típicas comidas natalinas... Não!
— Não pode ser! — Eu pensei. Como já poderia ser o Natal? O ano passara assim tão rápido? Maldição!
Cheguei à sala de jantar, aquela mesa enorme cheia de comida e cheia de gente. A primeira vista pude concluir duas coisas: primeiramente eu não conhecia nem metade daquelas pessoas que estavam ali e a outra coisa era que como sempre tinha mais comida do que pessoas. Isso é até bom, mas o desperdício é uma coisa lamentável. Essa é uma das coisas que eu mais abomino do Natal.
Sentei junto à horda e me acabei! Realmente aquilo tava mais para uma festa romana. No começo, quando eu cheguei, as pessoas estavam esperando outras pessoas chegar, estavam falando as trivialidades básicas, aquela salva de “nossa como você cresceu!” ou “você não esta mais com ela?” ou “porque você não me contou que isso tava acontecendo... é claro que eu te ajudava.”, resumindo: babaquices. Quando todos estavam presentes as pessoas começaram a comer. Foram perfeitos cavaleiros e damas da corte inglesa usaram todos os talheres possíveis para fazerem as coisas mais irrisórias como por a comida na boca. Mas não sei direito quando as coisas começaram a desandar, talvez quando todos perceberam que ia sobrar comida, foi naquele momento que o circo pegou fogo e que eu ri. Do nada as pessoas começaram a pegar a comida com a mão, e não só por na boca, mas a esfregar na cara também, passavam azeite nos cabelos, enfiavam as batatas nas orelhas e coisas piores.
Eu estava na minha, no meio daquele tumulto que se iniciava. Que crescia como uma doença. Era uma verdadeira balburdia, as pessoas pareciam porcos, mas elas ainda estavam sentadas. Pois quando elas se levantaram e deixaram de sentar a mesa para sentar na mesa que foi lindo! Um cara gordão lá pela casa dos cinqüenta começou a gritar e reivindicar o porco, que o porco era de ele e tal. Foi uma coisa assim no mínimo dantesca, sabes? Vi uma sociedade aristocrática ir da socialização a tomada de terras, de propriedade privada.
Privada, porque não tinha uma lá? As pessoas não concordaram com o velhaco e começaram a brigar pelo porco, de fato era um belo porco e que valia uma boa briga, mas cadê todo aquele sentimento “Natal, Natal, Natal sinta essa magia no ar!”? À medida que os socos foram trocados as roupas iam rasgando e eu permanecia no meu lugar distante com o meu bacalhauzinho, o meu cigarrinho, o meu vinhozinho e os meus óclinhos.
Lá pelas tantas, quando o gordo estava quase morrendo, parece que ele teve uma ereção e uma mulher começou a transar com ele (aliás, porque ela não transou comigo?), todos pararam de se bater e fizeram o mesmo. Uns até que gostavam de apanhar fizeram dos dois. Eram mais ou menos uns sessenta corpos juntos se mexendo de um lado pro outro e para todos os lados uns encima da comprida mesa, que devia chegar até o final daquela sala, que mais parecia um corredor; outros pelo chão e acho que tinha até um povo dependurado no lindo lustre no centro da sala.
Sêmen, sexo e sangue. Acho que eu devia estar... com certeza devia estar na festa errada! Aquilo estava mais para uma orgia swinger louca com fortes tendências sádicas. Era incrível ver aquela massa de pessoas se embrenhando, se entrelaçando, se engalfinhando. Eles chegaram a fazer uma pilha, quase que alcançaram o teto, aquilo foi interessante, o problema foi quando eles caíram em cima das louças, ai sim, todos sangraram. O cheiro estava horrível suor, sangue, sêmen, vômitos, comida amassada, fezes! O som era o mais legal, um misto de palavras soltas sem sentidos que faziam uma poesia, era como ver a inteligência coletiva ali na minha frente fazendo um poema dada.
Eu só sei que eu fiquei muito tempo os observando, e no final não deu em nada. Apenas um belo passeio antropológico vendo que como a humanidade não tem jeito. Resolvi sair daquela sala, dei um adeus aos animais eles não me retribuíram nada, ainda bem. Achei uma porta, sai por ela e vi fogos no céu, estava em Copacabana. Meti a mão no bolso achei meu celular. Vinte mil ligações não atendidas. Dia primeiro de dois mil e dez. Droga! Passei numa birosca bebi uma cerveja, tomei um táxi fui pra casa. E dormi. E assim mais um ano se acaba rapidamente e mais um ano começa estranhamente, moral da história: viva o Sol Invictus!

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