segunda-feira, 24 de maio de 2010

Balde De Gelo

Me lembro de uma noite doida, de pessoas loucas, de palavras soltas e da minha voz rouca. Acho que era uma festa. Pessoas alegres falando de música, falando de Brasil, falando da vida, bebendo cerveja e comendo bolo. Tinha uísque também pra quem quisesse, salgadinhos e amendoim também. Um violão, um baixo, uma percussão peruana bastante louca e pessoas aptas a tocar. E foi assim à noite. Tocamos de tudo, literalmente, até porque eu toquei um balde de gelo (acredite, baldes são excelentes instrumentos de percussão, na verdade, são os melhores, pois você pode unir tudo o que você sabe de percussão que dá certo!).
Conversei muito sobre música e cheguei a seguinte conclusão: eu sou um chato. Porque eu não gosto de Legião Urbana, de Cazuza, Los Hermanos e de futebol! Não sei se eu sou realmente desse planeta ou se eu sou realmente um merda! Por não saber apreciar a “verdadeira música brasileira”! E alguém na casa gosta de samba, de Adoniran Barbosa? Alguém curte aquele maracatu, do Estrela Brilhante? Mestre Salustiano? Monarco? Tábua de Esmeraldas?! Tim Maia Racional?! Da Lama ao Caos?!
Eu não entendo por que cultuar Legião? Uma banda, pelo menos para mim, fraca tanto de letra quando de música. Mas que conseguiu transmitir todo aquele sentimento daquela geração perdida, desiludida, sem esperança, todos do partido do coração partido que foi fundado durante a nossa linda década de 1980. Entenda que eu não vou agredir ninguém na rua, ou pedir para parar de tocar esta ou aquela música, eu respeito. Cada um tem o direito de gostar do que quiser e isso nunca poderá ser um fator para descriminar uma pessoa.
Mas uma parada que me irrita mesmo é essa coisa de comparação. Eu odeio comparação, sempre odiei ser comparado, acho que você só pode ser comparado dentro das suas aptidões, como um cd de uma banda só pode ser comparado com um outro album da mesma! Não existe essa parada de o que é melhor Beatles ou Rolling Stones! Ou Led Zeppelin e Black Sabbath? Quem canta mais: Robert Plant ou Freddie Mercury! Miles Davis e Coltrane! Samba ou maracatu! Não existe essa parada de cultura superior! Muito menos cultura inferior! Cultura é cultura e ponto final! É manifestação e tem que ser aceita! Se você não quiser aceitar o funk, pra mim tudo bem, até porque não adianta falar com uma parede.
Você é livre para viver a sua vida, faça o que bem entenderes, como se agora você achou desnecessário ler esse texto, queime-o com o seu cigarro, assim como o autor dele acabou de fazer.

Bugigangas

Augusto era uma pessoa até normal. Conseguia se misturar no meio das pessoas sem chamar atenção, em casa não tinha hábitos muito extravagantes, era um bom amigo, era um ótimo pai, e um marido maravilhoso. Não arrumava briga com ninguém, sabia se portar, raramente blefava, não tirava vantagem da vida, antes de chegar ao limite parava de beber. Em suma, uma pessoa, assim, perfeita!
Mas como todo homem ele tinha os seus mimos, algumas paixões, pequenos atos incorrigíveis que estavam marcados em sua alma. Como todo bom homem que tenta controlar seus demônios, às vezes, às vezes, eles saem pra dar uma voltinha. O seu grande problema eram as “sucatinhas”.
É que ele desde moleque ia andando pelas ruas e esbarrava com algo pequeno, brilhante e sujo. E ele se apaixonava por aquele pequeno objeto e resolvia pegar e guardar! E foi assim a vida inteira, guardando pregos, parafusos, porcas, arruelas, pistões, aros, correias, discos, pedaços de ferro entre outras coisas. O que mexesse com ele, ele guardava.
Quando pequeno sua mãe reclamava, pois enchia a casa de coisas sem menor utilidade, mas ele dizia que era melhor estar prevenido. Seus amigos também reclamavam, estavam todos indo pro Maracanã, ver aquele Fla x Flu, quando ele aparecia com um volante de Fusca e falava que iria para casa, pois poderia quebrar o volante no jogo. Quantas namoradas não agüentaram ser interrompidas por um mísero parafuso no chão do quarto do motel.
A que mais agüentou foi a Dora, porque ela achava aquilo até bonitinho, era o hobby dele, e afinal era a única coisa de errado nele, aquele homem tão atencioso, romântico, prestativo, inteligente, criativo. Era parte de seu ser aquilo! Quantas vezes ela falou pra ele fazer alguma coisa com aquelas coisas, montar alguma coisa, talvez uma obra de arte contemporânea, já que estava na moda fazer arte de sucatas. Mas ele não gostava da ideia, pra ele aquilo era um tesouro, algumas coisas que valiam, que pessoas gostariam de ter, coisas úteis!
Com o tempo, Dora não sabia mais entender o marido, ela achou que o entendia, mas viu que ela mesma só o piorou! Foi incentivando o monstro, ela se sentiu como o Frankenstein, arrependida pela sua criação e um dia ela precisou falar com ele.
— Augusto, acho que devíamos redecorar a casa, o que você acha meu amor?
— Hum... Ta bom, o que você quer mudar?
— Você!
— Como assim? Eu?!
— Não agüento mais viver nesse lar! Você nunca me tratou direito! Nunca quis saber do que eu gostava! Enquanto eu fui alimentando o seu “hobby”! Agora a casa está cheia de coisas inúteis! Você realmente piorou muito, meu amor... Antes você só pegava coisas pequenas, agora você pega motores na rua! E também os compra na internet! Nós vivemos num chiqueiro de graxa!
Augusto parou, tirou os óculos, pousou o jornal em cima de uma pilha de pneus, olhou pra Dora, tomou ar, e disse:
— Tudo bem, meu bem. O que você quer que eu faça?
Dora já exaltada, quase chorando, sabendo da resposta que iria vir. Pegou fôlego e tentou dizer calmamente:
— Ou eu ou essas quinquilharias...
Hoje em dia, Augusto é dono de um ferro-velho e de uma loja de serragem. Seus filhos o visitam uma vez por semana, e nunca viram o seu pai mais feliz na vida.