sábado, 20 de março de 2010

Falta de Controle

Estava cheio de tudo. Cheio do trabalho, cheio da mulher, cheio do país, cheio da cerveja vagabunda, cheio da rotina e só para constar, cheio da vida!
Há dias sabia que a única coisa que poderia me alegrar seria um porre. Estava a mais de anos sem ter uma amnésia alcoólica, estava realmente precisando esquecer algum fatídico dia qualquer. Mas por causa da rotina, adiei este meu sonho. Na verdade, a minha rotina de adiar coisas acabou me fazendo adiar o lazer e os sonhos de uma vida perdida. Estava procrastinado! Perdendo a vontade de viver, quando eis que me surge um feriado, um feriadão!
Não era apenas um simples feriado, porque nesse feriado em especial eu não trabalharia! Coisa que não acontece há anos. Por que isso acontecerá justo agora comigo? Não sei o porquê, nem quero saber, mas se eu sempre tivesse tido alguns descansos a minha vida não estaria assim, em estado deplorável. Mas já que o temos, devemos aproveitar cada momento, como um jovem prestes a perder a virgindade, tem que ser tudo perfeito.
Decidi então me divertir, coisa que não conheço desde a década de 70, nos meus lindos anos de faculdade. Também só na faculdade que os anos eram realmente lindos, mas eu adorava aquele momento de ser radicalmente, assumidamente contra o governo! Lia tanta coisa que era tida como proibida, agia como não era permitido, eu até segurava o cigarro de maneira promiscua, toda vez que eu acendia um cigarro tinha que correr para não me prenderem por eu ser “subversivo”!
Quantas vodkas, quanto Marx, quantas mulheres! Mas isso durou muito pouco tempo, pois depois que eu entrei numa redação eu nunca mais sai dela! Mais de vinte anos prestados às letras, uma das piores amantes que um homem pode encontrar em vida.
No começo elas até deixavam eu me divertir, conhecer outras mulheres e tal, mas depois de um tempo elas me proibiram até de ir ao bar nos finais de semana, pois diziam que o álcool acabava com a perfeição do nosso romance! Elas falavam que eu as violentava com traçados violentos e expressões agressivas. Eu era um sultão das palavras, com milhões de mulheres, o meu acervo era inacabável, o meu harém, tão invejável quanto os dos verdadeiros sheiks que me dava mais dor de cabeça do que prazer.
Quando o dia chegou, me senti afobado, falei pra mulher não me esperar nem me acompanhar, que eu só voltaria na segunda e que ela até podia me trair com qualquer outro com traços mais fortes que eu pouco me lixava! E como sempre ela chorou, mas não pode me impedir. Não me deixariam entrar no jornal e muito menos em casa antes de segunda. Fiquei tão afobado ao me ver livre que não sabia o que fazer, talvez essa deve ser a mesma sensação de liberdade de um preso, que fora injustamente detido e que perdeu mais de dez anos de sua vida.
E como um ex-detento procurei o primeiro puteiro e entrei. Pra mim não importava o preço, porque o dinheiro eu tinha e vontade também. Estava precisando aliviar esses vinte anos de agreste. O local que achei era até bem razoável, pelo menos as atendentes tinham caras legais, simpáticas e bem agradáveis. Comecei com uma loira, linda, olhos azuis, corpo maravilhoso, bem aquele clichê americano de beleza feminina, ou seja, peitos enormes, pouca bunda e lábios carnudos. Nos primeiros trinta minutos me reacostumando, pegando o ritmo, a cadência, estava há muito tempo enferrujado. Eu parecia um triste garoto de dezoito anos no início: tomando cuidado, falando bobagenzinhas no ouvido dela, sendo delicado, e ela reagia a todos esses carinhos os maiores bocejos possíveis e com os gemidos mais artificiais de todos os tempos. Depois de uma hora eu realmente estava um animal, uma fera, um lobo! Um velho lobo sebento com fome e com todo o vigor do mundo. E foram assim umas três horas, mais ou menos, de pura selvageria. Dei uma parada pra descansar e pra beber um uísque. E nesse tempo vim a conhecer uma morena incrível inteligente, sensual, engraçada, gostosa e cheia de fogo! Com ela eu faria o meu show! Já tivera o ensaio com a loira, mas com a morena, meu Deus! Nem Deus sabe como eu fiz aquilo! Se ela fosse uma guitarra e eu fosse um bluesman, eu teria ganhado no mínimo um Grammy de melhor CD contemporâneo de blues! Meu deus! Como ela gritou, eu a fiz chorar, ela implorou para eu parar e não o fiz. Ela era o tipo de mulher que me faz a cabeça, com um belo par de pernas bem colocado no corpo, pois ela não era apenas um par de pernas, ela era um corpo que se harmonizava com as pernas. Eu me senti um deus quando aqueles olhos, verdes, me olharam de baixo, olhos tênues cheios de esperança e dor, e que eu nunca poderia recompensá-los.
Já me encontrava revigorado, mas ainda queria mais! Paguei minhas dívidas, e sai do bordel. Fui caminhando pelo Centro até chegar a Lapa. Comprei umas cervejas num armazém e fui dar uma rodada, a procura do próximo local. Achei um local com uma fila agradável, pra mim o quanto mais estranho estivesse o ambiente melhor seria para mim. Paguei a entrada e entrei num local bem bizarro, escuro e com luzes estranhas, com músicas estranhas insuportavelmente altas e pessoas mais estranhas que as músicas. Senti-me estranhamente confortável naquele lugar, eu até me sentia normal perto daquelas pessoas. Peguei mais algumas cervejas e comecei a andar pelo local. Me senti um peixe fora d’água, mas mesmo assim continuei andando pelo lugar e vendo as pessoas e bebendo cerveja. Depois que eu já estava meio tonto fui “dançar” na pista, eu realmente chamava atenção, um coroa com duas cervejas na mão e um cigarro na boca, soltando a fumaça pelo nariz, parecia um dragão esbaforido. Apesar das luzes me ofuscarem um pouco eu fui conseguindo me manter em pé, na verdade eu era mantido pelas mulheres que se esfregavam em mim, apesar deu estar bêbado elas eram bem bonitas até, cheias de piercings e tatuagens. Lambiam-me, beijavam-me, excitavam-me com suas línguas molhadas, seus piercings frios e seus corpos quentes. Fomos para um local mais reservado, propício para tal ato, e fizemos amor durante horas, eu e mais quatro mulheres góticas que abusaram de mim como um escravo. Quando acabei com elas, ou elas acabaram comigo, peguei uma garrafa de vodka no bar e pus-me a acabar com ela. E fui dançando louco pela boate sombria, acabei sendo expulso de lá, e fui dançando louco pela noite da Lapa sombria, acabei expulso de lá e parei num samba pesado numa dos botecos da redondeza. Fiquei cantando o samba, totalmente bêbado, todos riam de mim, estava quase caindo em cima no surdo, quando me despejaram no banheiro da birosca.
Estava no chão ao lado do vazo sujo com o meu vômito, e bebendo o resto da minha vodka, eu estava muito mal e feliz. Não sei se a minha felicidade veio com a minha podridão, porém isso pouco me importava no momento, eu vomitava feliz todos aqueles anos sem diversão. Quando deparei-me com a coisa mais aterradora da minha vida, um dragão.
Ele era estranho, realmente assustador, enorme, parecia que o restante dele estava pra fora do banheiro; eu não sei o que ele fazia ali, não acho que ele queria me matar ou muito menos da uma mijada. Fiquei tão intrigado que tomei vodka e perguntei:
— Ei, seu, seu, seu dragão! O que é que você está fazendo aqui-qui-qui-qui!?
— Eu?! Bem realmente não sei o que estou fazendo aqui, mas me parece que eu estou aqui, certo?
— Ce-ce-ce-ce-certo!
— Então eu devo estar aqui por alguma razão, certo?!
— AAAAAAAHAAAMMM!
— E que razão seria essa, meu caro señor?
— FALAR COMIGO!!! AHAHAAHAHA VOCÊ ESTÁ AQUI PRA FA-FA-FALAR COMI-MI-MIGO!!!
— Certo, certo. Agora me diga señor, você gostaria de ir até o México agora?
— LÁ LÁ LÁ LÁ LÁ VAI TE-TER MULHER!? VA-VAI TE-TER TE-TE-TEQUI-QUILÁ?!!
— Vai sim! Lá terá tudo o que você quiser, é só você subir em mim que eu te levo pra lá...
— OBA!!

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Morreu hoje na Lapa o grande jornalista XXX. Aos quarenta e cinco anos, XXX, foi encontrado hoje na Lapa atropelado por um ônibus. O dono bar em que ele estava disse que ele saiu correndo do banheiro, atravessando o estabelecimento, indo pra rua, onde encontrou seu trágico fim com um 434. O dono do bar confirma que ele estava terrivelmente alcoolizado e que quando saiu, correndo de seu estabelecimento, gritava, dizendo que iria para o México. Triste fim para esse grande jornalista que com toda a sua técnica revolucionou as notícias diárias, deixando um legado, um número expressivo de fans e um maior ainda de palavras sem texto.