quinta-feira, 8 de abril de 2010

The Last Shout Of Jack

Já havia feito tudo. Defecado, lido um livro enquanto expurgava os demônios, feito a barba, parado para olhar as cicatrizes, lavado o rosto, em suma, estava pronto para tomar um belo de um banho. Ao entrar no box ele tropeçou. Tropeçou lindamente naquela borda de borracha que serve pra proteger o vidro. Faltavam dois segundos pra ele e menos de dois centímetros até a saboneteira que o mataria.
Ele até possivelmente saberia o que fazer, mas não conseguiu fazer nada. Todos aqueles anos perseguindo maltrapilhos internacionais, anos a frente da MI6 como um dos melhores espiões. Mais de trinta anos de serviços perfeitos e perigosos. Fazendo coisas tão surpreendentes quanto qualquer espiãozinho de filme de quinta categoria, explosões são tranqüilas, mas fazer tudo sem os outros realmente desconfiarem, na calada da noite ou então durante anos como espião infiltrado na KGB servindo vodka a todos os presidentes da União Soviética e também acabando com uma seita secreta de donos de bar que tinham como objetivo controlar as empresas de cerveja para adicionar uns cogumelos alucinógenos viciantes nas fórmulas e aumentar demasiadamente o preço da cerva ao ponto de controlar o mundo, escravizando o mundo para retomar a antiga linhagem dos faraós!
Quantas aventuras, quantas tramas bem feitas ele passou. Quantos croissants, quantas burkas, quantos joelhos de porco e quantas pernas maravilhosas ele se deliciou. Ele realmente comeu de tudo: de mulheres perigosas (filhas de sultões, princesas, professoras de história), a comidas envenenadas. Mas ele sobreviveu a tudo isso. Sabia levar uma vida dupla. De dia um inglês que morava há anos no Rio de Janeiro com uma mulata sensacional e de noite um agente da MI6, renomadíssimo, perigosíssimo.
Agora nada importava isso, nem todas as artes marciais, nem a sua habilidade como poliglota, nem seu pós-doutorado em história, nada mais importava, nada lhe salvaria de seu destino findável e irrefutável: era ali! No box, no Rio, por uma saboneteira! Já estava a um centímetro de sua morte. Por que eu não morri na Rússia, ou então na Índia contra aqueles grupos separatistas, ou então no Japão por aquele velho que estava aliciando jovens e os matando em nome do espírito do grande Musashi, ou então por qualquer bala perdida de um meliante carioca?! Por que a saboneteira?! Porquê?!
—Why God! — Foi o seu último grito. No final ele foi pro céu e Deus não o respondeu nada até porque Deus é um cara muito ocupado.

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