domingo, 12 de abril de 2009

Óculos Noir

Tudo começou quando eu coloquei aqueles óculos escuros. Não que eu esteja morrendo ou, que já seja presunto, ainda estou vivo respirando um ar relativamente puro, bebendo uma cerveja relativamente boa e fumando um cigarro totalmente mata rato. Em tese sou apenas uma alma impura dentro de um corpo carcomido. Meu médico já tinha me alertado sobre essa minha rotina perigosa, parar com essas coisas, mas realmente é impossível, a carne é fraca e alma aguenta bem mais.
É incrível como uma simples ação, errada ou não, muda a sua vida, a minha foi ter posto aqueles óculos, deve ter sido o momento, realmente não sei. Também não entendo porque eu nunca mais os tirei, ele já era parte integrante do meu corpo, sentir o raio solar sem aquele filtro era a morte, na minha situação seria preferível encontrar o diabo a ver a luz sem os óculos.
Não sei se de fato foi ruim pra eu ter posto aqueles óculos, pois ele de certa forma me fez abrir os olhos para certas coisas. Eu comecei a ver como as coisas realmente são, sem estarem encobertas por esse falso pano de realidade posto pela mídia monopolizadora. Era tanta sujeira, quer dizer é tanta sujeira, tanta imundice. Esses porcos no poder. Acho que chamá-los de porcos seja uma ofensa para esses belos animais, esses seres... Não sei o que falar deles, não sei que adjetivos deveria eu usar. Só sei que depois disso comecei a ter um sublime e lindo ódio por essa realidade forjada. Queria que todos tivessem óculos como o meu, para passar por esse enjôo de realidade. Acredite, até mesmo uma velhinha atravessando a rua, pela minha ótica, é um coisa extremamente degradante, pois você esta vendo a cena real não a idealizada, mas você não esta a interpretando pela ótica real, mas sim pela idealizada. Você não vê apenas uma velhinha, mas sim uma imagem altamente idealizada e assumida pela pessoa, também é possível enxergar o ceifador carregando uma bolsa cheia de remédios e cheia de ideologias perdidas.
Era um horror, comecei a ficar maluco, tudo era estranhamente novo e pitorescamente familiar ao mesmo tempo, durante meses não conseguia andar na rua de manhã, pois como diz o ditado: à noite todos os gatos são pardos. Mas mesmo saindo algumas vezes à noite me deparava com coisas piores.
Depois da previa maluquice, percebi que também era tão podre quanto todos que eu criticava. Eu era o maior hipócrita da Terra, de manhã metendo o dedo na ferida dos grandes hipócritas, e de noite sendo pior do que eles. Com isso tive nojo de min mesmo, não consegui a ir ao banheiro e olhar para baixo, a melhor parte do meu corpo era a pior coisa do mundo, aquele sim era o corruptor mor.
Com muito esforço fui me adaptando, tenho medo de tirar os óculos e a minha produtividade cair. De ver que a realidade encoberta é bem menos traumatizante do que a original, que é coisa de criança. Só sei que com os óculos só vieram boas críticas, pois mulher e dinheiro até agora estão bem difíceis de se aparecer. Nada que um assalto a banco e meia dúzia de putas de luxo não resolvam, não se esquecendo do havana e de Deus, só tem um problema nesse lindo plano: cadê o dinheiro do banco?

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