quarta-feira, 13 de maio de 2009

Pé Sujo Reformado

Sento a mesa do bar. Aquele tipo barzinho de perto de casa lá de mil oitocentos e oitenta e quatro, que fora reformado e agora virou point. Acho meio escroto isso, porque antes da última reforma ele era um pé sujo bundifora fedorento, sardendo, com ovo colorido, pastel de três dias, cerveja gelada e barata, e cheio de cachaceiros, ou seja, cheio de gente bonita, alegre e confiável, pessoas da minha laia.
E estava lá sentando naquele point, de chapéu coco, de óculos escuros, como de costume, com um baralho e um maço de mata barata. Ir ao bar era uma das poucas coisas que eu ainda achava interessante de fazer, malditas lentes negras esverdeadas pressas por um suporte negro de plástico.
Mas eu realmente preferia aquele bar quando era pé sujo, é engaçado, antes as pessoas iam por que a cerveja era barata, e porque também tinha barata, mas hoje elas vão porque querem fazer gênero bebendo cerveja importada, achando que são os entendedores. Que esses bastardos vão para bares especializados ou para suas respectivas casas para beberem loiras importadas, isso se realmente gostam delas, até porque sai muito mais barato também.
Em compensação antigamente aquelas duas ali da ponta, perto da parede, nunca iriam freqüentar esse bar, não sei por que elas olham pra cá tão constantemente e ficam rindo tanto, nunca vi duas incubus rindo tanto, pois anjos não riem com aquela malícia ardente e penetrante.
Acho esse bar muito eclético, moleques cheios de medo e cheios de engajamento político, esses beberam de mais; dois velhinhos, últimos dos moicanos que sobraram do falecido pé sujo, conversando sobre a vida que fora mal aproveitada, e a cada gole que davam mais o Alzheimer e o Ceifador chegavam mais perto. Um grupo de amigas na flor da idade, só falando de sexo e de outras coisas perversas, mas por dentro nenhuma delas faria um por cento do que estavam falando. Um grupo de amigas quarentonas, botando o papo em dia, o chopinho para descontrair só o corpo, pois a alma ferida, os sonhos quebrados e as ideologias fracassadas nunca vão ser curadas. Fora os clássicos “cultos” que nem sabem do que estão falando, os amigos de futebol e por aí vai.
O que deixa em questão nesta minha cena bem tensa é o seguinte: além das moças não pararem de olhar para min, da cerveja estar começando a ter efeito, e de que eu tenho que ir rapidamente ao banheiro é que presenciar essas minicenas de realidade com os óculos é uma coisa muito estranha, porque as pessoas deixam de ser pessoas e se aproximam a charges, só que materializadas. É realmente bizarro.
E finalmente levanto da mesa, sinto que as dez loiras ainda não me pegaram de jeito, vou até o banheiro, abro a porta, me posiciono de um jeito meio desastrado e desajeitado a frente do mictório, levando a camisa, me apoio com uma mão à parede, o óculos quer cair, mas não cai, para minha linda e bela sorte; e prossigo abrindo o cinto, abrinto o zíper, abaixando a cueca, e me deparando com o mal do século. Que esta morrendo de fome, maldito monstro de duas cabeças, e começo a ser influenciado pela serpente. Devolvo-a para o templo de veludo, fecho o zíper, levanto a calça, aperto o cinto, abaixo a camisa, me desencosto da parede, lavo as mãos, porque também se não lavasse ia ser estranho, ainda mais com os óculos. Saio do banheiro vou até a mesa infernal e sento.
Digo olá, e elas respondem. Começam a rir e, uma, a mais angelical e demoníaca pergunta o porquê dos óculos, e eu respondo que é pra vê-las melhor. Nesse momento aquele sorriso malicioso aparece na face das duas. E a outra toma coragem e pergunta o porquê do chapéu, e eu respondo:
-É para esconder meus chifres...minhas diabinhas! – E lá fomos nós pro inferno.

Um comentário:

  1. Galaxioso..

    você parece autista indo a bares pé-sujo sozinho.. nunca perca meu telefone.. até porque, anjos caidos tb são filhos de deus

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