segunda-feira, 6 de setembro de 2010

And They Play the Tarantella

Barulho de mar. Ondas quebrando perto de mim. Calor, muito calor. Caralho, onde eu estou? Abro os olhos vejo o grande saudoso sol abrasando a minha ressaca e a do mar. Dou me conta que estou deitado na areia e que o mar chega até minhas canelas. Devo estar parecendo um filé à milanesa. Permaneço deitado pensando como eu cheguei aqui, na praia, aliás, que praia é está? Passei a mão na cabeça, o cabelo cheio de areia, todo duro, a barba por fazer, os óculos estão como sempre intactos. Tomo coragem e levanto e quase caio, meu terno está todo cheio de areia, minha carteira está toda molhada, meu celular continua vivo, os cigarros estão encharcados, pelo menos o isqueiro ainda está funcionando, meu caderninho de anotações está se desfazendo, cheio de borrões e com páginas grudadas a ponto de rasgarem. Não tinha nada para fumar, nada para beber, nada para ler, e uma ressaca sem sentido, uma alma encharcada e estava cheio de areia e estava na praia, meu deus o que eu fiz ontem? Muitas perguntas e muito prejuízo.
Bem, parecia domingo, não tinha ninguém na praia. Comecei a ganhar a areia. Reparei que havia muito cigarro, muita ponta, muita garrafa de cerveja, vodka, vinho, e sujeira pela areia. Parecia ter havido uma festa, e uma boa festa. Percebi que tinha umas tochas também, talvez tenha rolado um luau muito louco. Parece que eu cai, ou tropecei, não sei estava ainda meio tonto. Percebi que eu cai por causa se uma bigorna. Sim, uma bigorna no meio de uma praia. Fiquei me perguntando que tipos de loucos eram esses que faziam um luau com uma bigorna, não conseguia vir nada a minha mente. Era muito sem sentido para mim. Levantei e resolvi olhar mais pro chão, tomando mais cuidado onde iria pisar. E vi maços de cigarro, ossos de galinha, latinhas de cerveja, garrafas de destilados, alguns pedaços de panos, papel rasgado, sacolas de lixo cheias, pontas de cigarro, algumas saias de havaiana, calcinhas, cuecas, camisinhas, flores, colares de flores, palhetas, copos amassado, uma serra, um martelo, cocos, baquetas quebradas, uns baldes, e um bongô. Peguei o bongô e fui embora. Percebi que eu estava na Praia do Diabo. Peguei ali pelo Arpoador. Parei num quiosque, comprei um maço. Acendi e fui andando até a General Osório pegar o metrô. Quando fui pegar o dinheiro pra pagar o metrô reparei que tinha um flyer dentro da carteira. O flyer mostrava tipo o que parecia ser uma estátua de um anão dourado barbudo fazendo a saudação nazista, ele estava em pé em uma lótus e tinha vários outros seres bizarro ao lado dele, o mais estranho era um saci abraçado ao anão. Realmente tomei um susto ao ver aquela porra, fiquei parado sequelando analisando aquele flyer e quase criando um motim na fila do metrô, eu tinha aberto a carteira pra pegar o dinheiro e eu era o primeiro da fila e a fila começava a ficar grande e furiosa. Depois disso fiquei a volta pra casa inteira olhando curiosamente para aquele anãozinho e o saci, que coisa mais bizarra. Depois percebi que tinha algumas coisas em hebraico. A parte de trás do flyer estava toda borrada, mas tinha como endereço a Praia do Diabo.
Era realmente domingo, e só fui perceber isso à tarde. Foi automático assim que cheguei a casa, apaguei no sofá. Merda. Acabei com o sofá, agora ele ta todo fedendo a bebida, cigarro e cheio de areia. Resolvi tomar um banho e tentar relaxar um pouco, eu parecia mais firme, mas a cabeça ainda martelava. Quando eu tirei a roupa e me deparei com o espelho vi que meu corpo estava todo rabiscado, parece que me pintaram com tinta guaxe, sei lá, que coisa mais bizarra. Tinha um sol no meio da minha barriga, muito bem desenhado, e no resto do corpo, várias sílabas e mãozadas sem sentido. Pouco me importei e tomei banho, custou um pouco tirar aquela guaxe, mais saiu. Agora eu estava limpo, fui à cozinha e fiquei bebendo água.
Tentei me lembrar do que fiz ontem, não consegui. Fiquei encarando o flyer e nada. Tentei achar algo na internet e mais nada. Tentei ver se aquele anão era sobre alguma seita maluca com sacrifícios e santo daime, e não achei nada, porra nenhuma. Pensei seriamente dum complô maligno de neo-nazistas doidões de aiuasca, ou com os cus cheios de outras drogas pesadas, chapadões num luau falando sobre arte contemporânea, rasgando as próprias roupas, se libertando dos padrões da moda, e pintando os corpos celebrando as antigas tradições celtas e batucando sons loucos e ancestrais de noites tão escuras que não podem mais serem vistas. Noites ancestrais de celebrações da carne e do contato do homem primitivo com o complexo ser astral, a junção dos corpos, a união num batuque hipnotizante e delirante de tempos em que o homem era um ser complexo e rico de cultura e significados sobre as coisas do mundo. Um mundo onde deuses andavam pelos homens e não havia essa distinção, todo eram iguais e felizes batucando e celebrando a vida! Eu forcei muito a minha cabeça, mas não pude me lembrar de nada, nem achei nada na internet, a única coisa que eu achei foi o nome do artista plástico alemão que fez o anãozinho dourado... Bem, dane-se, uma amnésia nunca faz mal a ninguém.
No dia seguinte, chegando à redação, o meu chefe perguntou:
— Então, como foi à festa do Anão Dourado?
— Festa do Anão Dourado?
— É, a festa que eu mandei você cobrir que ia acontecer no sábado na casa do... — Puta que paril! NA CADA DO RENATO GOLDENBERG! Tudo na velocidade e com a intensidade de um soco no rim. O ponto de encontro era na casa dele no Arpoador, tinha uma porrada de gente lá, muita gente mesmo, mas tava tudo escuro. Ai ele surgiu na sala cuspindo fogo e tacando confete. Gritando que a festa era tudo uma celebração demoníaca e que deveria ser feito o “ritual” na praia do Diabo! Ele se deparou na janela, com quase metade do corpo para fora, apontando para as tochas que estavam na praia, e gritando que a festa era lá, e ele tacava confete e gritava e todos riam, e ele disse que quem chegasse por último seria a mulher do padre! Nesse momento alguém riu loucamente, com uma risada profunda e de satisfação, será que seria o padre? E numa cortina de fumaça o Renato desapareceu. Todos sabiam que ele era um louco-poeta-ilusionista-pseudo-judeu-anarquista. Então as portas abriram e todos foram correndo para lá. No calçadão reparei nas figuras estranhas que estavam lá. E realmente existia um padre, ele era enorme, e eu não queria ser a mulher dele, e aquele homem olhava para todos com um olhar denso e profundo, parecia estar tendo uma orgia com todos só em olhar as pessoas. Quando todos chegamos lá foram nos dadas cerveja e o Renato deu como iniciada a festa! Então, bongôs começaram a tocar, logo em seguida, atabaques, djembês, congas, alfaias, caixas começaram a fazer o som. O som era realmente hipnotizante. Tinha uma mulher dançando dança do ventre e tocando castanholas, um casal dançando tango, pessoas fazendo malabarismo, pessoas cuspindo fogo, pessoas gritando coisas, pessoas construindo poesia desses gritos, pessoas se pegando, pessoas nuas, pessoas cheias de areia, pessoas bebendo, fumando, conversando, fodendo! Estava tudo desordenado, até que o cara do acordeão chegou. Ele era muito cigano, e pos ordem na festa. E começou a tocar uma tarantela, e todos os instrumentos o seguiram. Foi lindo eles tocavam uma tarantela e todo os cachorros começaram a uivar, nenhuma criança deveria estar acordada naquele momento, e os cubanos massacravam em suas congas, pensava eu donde via aquele vigor, se fosse eu já estaria morto! Era uma loucura todos aqueles instrumentos coordenados e um poeta de voz grave recitando versos dos mais distintos e inquietantes! O fogo, o confete, a comida, o sexo, a música, era a exaltação máxima da carne para um deus pagão. O mais estranho foi o casal que dançava tango em todas as músicas, não paravam, era louco, apaixonante, intenso, violento, sublime humano! Eles dançavam tango até sangrar, naquela areia fofa, celebrando a vida, a carne, o sentimento melancólico, celebrando a nossa vida delirante, a nossa realidade alucinada.
— Então, cê lembrou?
— Não, acho que eu estava me preparando para essa festa, quando eu fiquei muito bêbado em casa vendo algum filme do Woody Allen. — Bem, o público não pode saber de todas as loucuras, fora que eles não iam gostar de saber de uma orgia louca de malucos.

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