segunda-feira, 24 de maio de 2010

Bugigangas

Augusto era uma pessoa até normal. Conseguia se misturar no meio das pessoas sem chamar atenção, em casa não tinha hábitos muito extravagantes, era um bom amigo, era um ótimo pai, e um marido maravilhoso. Não arrumava briga com ninguém, sabia se portar, raramente blefava, não tirava vantagem da vida, antes de chegar ao limite parava de beber. Em suma, uma pessoa, assim, perfeita!
Mas como todo homem ele tinha os seus mimos, algumas paixões, pequenos atos incorrigíveis que estavam marcados em sua alma. Como todo bom homem que tenta controlar seus demônios, às vezes, às vezes, eles saem pra dar uma voltinha. O seu grande problema eram as “sucatinhas”.
É que ele desde moleque ia andando pelas ruas e esbarrava com algo pequeno, brilhante e sujo. E ele se apaixonava por aquele pequeno objeto e resolvia pegar e guardar! E foi assim a vida inteira, guardando pregos, parafusos, porcas, arruelas, pistões, aros, correias, discos, pedaços de ferro entre outras coisas. O que mexesse com ele, ele guardava.
Quando pequeno sua mãe reclamava, pois enchia a casa de coisas sem menor utilidade, mas ele dizia que era melhor estar prevenido. Seus amigos também reclamavam, estavam todos indo pro Maracanã, ver aquele Fla x Flu, quando ele aparecia com um volante de Fusca e falava que iria para casa, pois poderia quebrar o volante no jogo. Quantas namoradas não agüentaram ser interrompidas por um mísero parafuso no chão do quarto do motel.
A que mais agüentou foi a Dora, porque ela achava aquilo até bonitinho, era o hobby dele, e afinal era a única coisa de errado nele, aquele homem tão atencioso, romântico, prestativo, inteligente, criativo. Era parte de seu ser aquilo! Quantas vezes ela falou pra ele fazer alguma coisa com aquelas coisas, montar alguma coisa, talvez uma obra de arte contemporânea, já que estava na moda fazer arte de sucatas. Mas ele não gostava da ideia, pra ele aquilo era um tesouro, algumas coisas que valiam, que pessoas gostariam de ter, coisas úteis!
Com o tempo, Dora não sabia mais entender o marido, ela achou que o entendia, mas viu que ela mesma só o piorou! Foi incentivando o monstro, ela se sentiu como o Frankenstein, arrependida pela sua criação e um dia ela precisou falar com ele.
— Augusto, acho que devíamos redecorar a casa, o que você acha meu amor?
— Hum... Ta bom, o que você quer mudar?
— Você!
— Como assim? Eu?!
— Não agüento mais viver nesse lar! Você nunca me tratou direito! Nunca quis saber do que eu gostava! Enquanto eu fui alimentando o seu “hobby”! Agora a casa está cheia de coisas inúteis! Você realmente piorou muito, meu amor... Antes você só pegava coisas pequenas, agora você pega motores na rua! E também os compra na internet! Nós vivemos num chiqueiro de graxa!
Augusto parou, tirou os óculos, pousou o jornal em cima de uma pilha de pneus, olhou pra Dora, tomou ar, e disse:
— Tudo bem, meu bem. O que você quer que eu faça?
Dora já exaltada, quase chorando, sabendo da resposta que iria vir. Pegou fôlego e tentou dizer calmamente:
— Ou eu ou essas quinquilharias...
Hoje em dia, Augusto é dono de um ferro-velho e de uma loja de serragem. Seus filhos o visitam uma vez por semana, e nunca viram o seu pai mais feliz na vida.

Um comentário:

  1. Que foda! Quando eu era criança eu colecionava latinhas de refri e cerveja, até que um belo dia minha mãe mandou reciclar tudo...

    ResponderExcluir