terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Relacionamento Chato

Eu estava deitado naquela cama redonda e avermelhada. Olhava para mim, para as minhas tatuagens, para a minha ereção através da lente negra dos meus olhos. Na verdade eu olhava para a imagem, que devia ser minha, que refletia no espelho do teto. Olhava também para aquela bunda que eu acabara de me deleitar. Ela acordava. Virava o corpo, se arrastava por entre os lençóis até a minha direção. E disse mordendo a minha orelha:
— Nossa! Você é realmente demais! — Realmente não sabia se eu era tão bom assim, sempre achei que fosse. E essa foi só a primeira noite.
O problema é que eu dei corda, não para ela, mas para mim. Quer dizer, dei até a corda para ela enrolar o meu pescoço; dei até o teto para ela por a corda e também dei um banco para ela me por em cima. Era tudo uma questão de tempo para ela chutar o banco, ou para eu mesmo pular dele e sair daquela vida inescrupulosa e nefasta.
Foram mais de seis meses, de pura ladainha, ela me tornou um maldito pusilânime, sem vontade de nada, ela me fez perder a pouca que eu tinha. Ela me domou de um certo jeito que eu quase tirei os óculos. Eu realmente estava cego, nela não havia defeitos, mas em mim havia todos e no mundo também.
Eu realmente não sei como eu deixei isso acontecer. Só sei que aconteceu! Era uma rotina ordinária, meu bem pra lá, docinho pra cá, dentre outros frufruzinhos. Eu me sentia uma obra de arte barroca: cheio de hipérboles — meu bem você está tão lindo hoje —, cheio de catacreses — meu bem —, cheio de paradoxos — meu bem —, dentre cultismos — meu bem, hoje você está tão bem, meu bem. Não agüentava mais aquele tête-à-tête banal. Estava realmente me sentido oprimido.
O pior é que ela começou a se interferir no meu trabalho, pois eu não conseguia mais fazer aquelas belas e justas críticas. Naqueles meses tudo fora ótimo, mas hoje em dia eu vejo que apenas, talvez, menos de um por cento de todas as críticas realmente mereceram a nota máxima.
Foi incrível a transformação da coisa. No começo era até um relacionamento legal, toda noite rolava um sexo bem selvagem. Porém depois de quase dois meses na selva ela começou a se revelar uma besta completa. Tudo era água com açúcar. Filme água com açúcar, cerveja água com açúcar, novela água com açúcar, livro água com açúcar, música água com açúcar, jornal água com açúcar o inferno água com açúcar! E o pior de tudo ela só amava os Estados Unidos da América, ela idolatrava aquele país, coisa que me deixava totalmente enjoado. Eu me sentia no meio de uma ilha açucarada perdida no meio do oceano a espera do meu leviatã vermelho de azul me engolir com a sua boca rosada e maravilhosa.
E o sexo foi minguando e o amor, que nunca existiu, minto! Existia no sexo quando ele a proclamava que a amava, mas como um foi minguando o outro morreu na conseqüência da falta de existência do outro. E eu como um tolo, entrei de cabeça na onda. E me afoguei. Virei o cachorro dela, perdi a minha virilidade de bulldog transformando-me num poodle chato.
Depois de tanto agüentar decidi insurgir. Planejei a minha revolta. Friamente calculada. Eu inconfidente comigo mesmo, e com meus botões, já tinha tudo planejado, não tinha como dar errado, era só esperar a Derrama.
Que num belo dia chegou.
— Meu bem, meu bem!
— Diga...
— Já comprei tudo!
— É mesmo?
— É comprei as passagens para Disney! Também vamos passar um mês em Miami! Eu também comprei o novo DVD do mercado e o novo fogão também...
— Baby, dinheiro não dá em árvore, sabia?
— Ah! Meu cachorrinho não se preocupe! Eu não esqueci da sua coleirinha não! — Então ela tirou uma coleira rosa de umas das suas vinte sacolas, só falta combinar com a lingerie — Olha! Olha! Ela combina com a...
— Chega...
— Barbie, Veja, novela das oito, Crepúsculo, rosa choque, pipipi pápápá... — Ela não havia me ouvido.
— Baby, sabe o que tu és?
— O seu amorzinho que te ama muito, muito, muito! Que quem você ama muito, muito, muito!
— Não, você é uma terrorista fundamentalista do amor!
— Isso quer dizer que você não me ama? — Fiquei calado — Você não me ama! Como você não pode me amar!? Eu te dei tudo de mim! Eu te aturei tanto! Te amei tanto! E agora você diz que não me ama! — E ela gritava e chorava e batia o pé. Eu estava adorando aquilo. De repente um sorriso sarcástico estava começando a surgir no meu rosto. Animei-me. Acendi um cigarro e disse:
— Então baby, como foi que você conseguiu planejar o ataque as Torres Gêmeas? Eu achei aquilo genial! — Nunca tinha visto aquela cara dela. Era ódio. Larguei a cabeça para trás, olhei pro teto, dei um tragada e larguei uma bela fumaça no ar. Quando voltei à cabeça para frente ela estava parada na minha frente com todas as suas quarenta malas na porta. Quando voltei a olhá-la só vi um tapa vindo na minha cara. Ela começou a chorar e eu rindo. Ela não parava de chorar e bufar e tremer, de repente ela gritou um singelo “idiota” tão rasgado que perfurou o meu peito e tão choroso que merecia um Oscar. Era aquele grito gutural que as mulheres soltam em momentos desesperadores, você sentia que vinha do fundo de suas vísceras e que enquanto o som ia saindo o seu coração ia se despedaçando. Ela se virou, ainda chorando e tremendo, e foi-se embora para nunca mais, junto com todo o seu carregamento.
Assim que ela fechou a porta eu dei um tempo, pus um Coltrane no máximo e fui tomar banho. Aproveitei aquele banho maravilhoso, fiquei bem uma hora debaixo d’água. Depois fui até a cozinha, ainda molhado, peguei a vodka e me deitei no chão da sala, molhando todo o tapete. Foi belo, foi lindo: eu molhado, com uma garrafa, um maço, jazz, um grande sorriso e sem a chata!

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